1 – Espanta Fantasmas

Em 1978 eu morava na Reboleira, num 9º andar. O prédio tinha 12 andares, com 4 apartamentos T1 por piso. Apartamentos com letras A, B, C e D. O meu era o B.

A minha mulher e eu dormíamos no quarto único da casa. Estávamos juntos há mais de dois anos e eramos felizes como tantos casais que se tinham libertado dos preconceitos na casa paterna, e viviam alegremente a sua recente liberdade.

Quando estávamos próximo do terceiro aniversário após termos juntado os trapinhos, aconteceu uma coisa insólita; cerca da meia-noite, quando já dormíamos o primeiro sono, acordámos sobressaltados com um estrondo mesmo por cima da nossa cabeça. Algo tinha caído no chão do quarto por cima do nosso. Pusemo-nos os dois à escuta a tentar perceber o que se passava, mas só ouvimos uma risada ligeira, de mulher, seguida de um silêncio total.

Nestes prédios altos, que têm quase 50 apartamentos, os moradores não se conhecem uns aos outros. Porém, os encontros furtuitos no elevador proporcionam que cada um crie, por exemplo, a memória da senhora de bengala que sai antes de nós, no 8º andar, ou do casal de jovens que, a subir, marca o botão do 9º andar.

Eu já tinha esquecido o barulho que me acordara quando, dias depois, o caso se repetiu, BOOM, à meia-noite. Fiquei furioso, como ficam todos os homens com menos de 50 anos quando se sentem agredidos por um desconhecido, e disse à minha mulher que, se voltasse a acontecer, eu ia lá cima enfrentar o morador do 10º – B e exigir que acabasse com a brincadeira. Parece o barulho de um tacão a bater com força no soalho. Deixa lá, respondeu ela, não é um problema tão grande que justifique arranjar inimizades com a vizinhança.

De facto, o tempo que mediou entre os dois barulhos fora de 15 dias aproximadamente. Apontei na minha agenda o dia e a hora do último ruído.

Dezasseis dias depois, era domingo, voltámos a ouvir o ruído, à meia noite.

Furioso, levantei-me, enfiei umas chinelas havaianas e fui, escada acima, bater à porta do agressor, em pijama. Dei três campainhadas que mais me pareceram a maneira que tenho de tocar à porta de meus avós. Porém, desta vez o número três não significou cumplicidade com os velhotes, mas sim irritação com os vizinhos, e agressividade, pensei.

Ninguém veio à porta. Toquei de novo e, passados uns longos 15 segundos ouvi uma “restolhada” lá dentro. O meu coração disparou. Cautela Manel, não faças nenhum disparate.

Só nesse momento me tinha apercebido que a porta à minha frente podia abrir-se e aparecer um matulão com um taco de basebol, perguntando: “o que deseja, o senhor?”.

Felizmente foi uma rapariga muito jovem que abriu a porta. Trajava roupão e chinelas com pompom branco, que pareciam acabadas de chegar da loja.

Perguntou-me “o que deseja, o senhor?”.

Não pude evitar um sorriso, pelo contraste que se verificou entre o meu temor e a realidade. A realidade, por vezes, é bem mais agradável do que a nossa imaginação consegue pintá-la.

Recompus-me do sorriso, tentando fazer uma cara de mauzão, e disse-lhe: Minha senhora, vim cá a cima pedir-lhe que parem com os barulhos que fazem à meia-noite, de quinze em quinze dias. Tanto a minha mulher como eu acordamos sobressaltados. Os senhores não têm o direito de nos provocar esse incómodo! Exclamei, com um tom de voz já um pouco alterado.

Nesse instante uma cabeça de homem assomou por trás do ombro da rapariga e verifiquei que o marido dela (seriam casados?) tinha uns quinze centímetros a mais de altura que eu. Isto é, devia ter quase 190 cm de altura.

Curiosamente a minha excitação não abrandou. Já ia recomeçar com nova argumentação quando a jovem disse sorrindo; pedimos muita desculpa, não vai voltar a acontecer.

Desci os dois laces de escadas e fui deitar-me. Quando entrei no quarto, a minha mulher acendeu a luz. É para ver se trazes algum olho à Belenenses, disse sorrindo. Pelos vistos foste bem recebido!

Sim, fui bem recebido pelos estúpidos. Logo os dois. A Maitê e o Globetrotter. Ela parece irmã gémea da atriz brasileira e ele deve ser atleta de basquete. E virei-me de lado para dormir. Mas não consegui. Os meus sentidos ainda não se tinham acalmado. Na minha frente via o rosto de Maitê, o meu cérebro recordava o perfume que minhas narinas aspiraram nos poucos segundos que estivemos a sós. Que parvoíce, pensei. Adormeci.

Na manhã seguinte tive que suportar uma mini cena de ciúmes de Luísa, a minha mulher; então, sonhaste com a Maitê? Sim, sonhei que tínhamos fugido para as Caraíbas, respondi, meio a sério, meio a brincar.

Na época Luísa trabalhava num balcão do Serviço de Identificação Civil, em Alvalade, e frequentava o curso noturno na Faculdade de Farmácia. Eu era desenhador num atelier de arquitetura, na Praça de Espanha, tinha desistido do curso de medicina quando das greves estudantis do início da Revolução dos Cravos. Agora chegava quase sempre mais cedo a casa e fazia o jantar.

Nesse fim de tarde vinha com os sacos do supermercado quando entrei no prédio. Ia a pensar como organizar o jantar, que foi de salsichas com couve lombarda. Ela, a Maitê, estava à espera do elevador. Pensei em retroceder para evitar acompanhá-la, mas de imediato desisti desse ato de cobardia, e enfrentei. Boa tarde. Boa tarde, respondeu.

Os elevadores daqueles tempos eram muito lentos, parecia uma eternidade os 40 segundos que gastávamos para fazer a viagem do R/C ao nono andar. Tentei ser agradável. Obrigado por terem acabado com aquele ruído, disse-lhe. Não deites foguetes antes do tempo, respondeu ela com um ar muito sério, aonde se vislumbrava traços de vergonha. E prosseguiu. Se quiseres saber mais sobre esse assunto vai à morada que se encontra numa carta que estará na tua caixa do correio. Tratou-me por tu! Pensei um pouco despeitado. O meu namorado é ciumento, por isso não convém que nos veja a falar, acrescentou a beldade.

Fiquei intrigado. A partir desse dia precipitei-me para a caixa do correio sempre que chegava a casa. Porém nada aconteceu. Até que um dia, numa segunda-feira que regressávamos, eu e Luísa, de um fim-de-semana passado na casa dos meus pais, em Sesimbra, abrimos a caixa do correio e estava lá uma carta da EDP dirigida a um homem que não conhecíamos. A morada da carta era na Av. Almirante Reis 234 em Lisboa. Coisa estranha, disse Luísa, como é possível uma carta extraviar-se para tão longe do sítio para onde foi mandada!

Só eu sabia o porquê desse extravio! Mas não disse nada.

Fiquei triste por não puder ter comparecido ao encontro. No verso do envelope estava escrito a lápis 13H. Certamente seria a hora aprazada para o encontro.

Até ao fim dessa semana tudo se passou com normalidade. A Luísa saía comigo de manhã, apanhávamos o autocarro para o Marquês e lá íamos de metro para o emprego. Cada um para o seu.

Não consegui controlar a curiosidade. Fui à Almirante Reis conhecer a morada da carta extraviada. Era um café, com uma televisão pendurada na parede. Fui ao balcão e pedi uma bica a um homem que parecia ser o dono do estabelecimento. Ele disse alto para a empregada que estava junto da Cimbali; tira aí um café para este senhor. Ela respondeu sim, senhor Osório.

Osório Vicente era o nome do destinatário da tal carta! Não há dúvida que o encontro teria sido neste café, pensei.

No escritório do arquiteto andávamos em grande azáfama, pois o patrão tinha acabado de ganhar um trabalho com alguma envergadura; o aproveitamento do espaço da CP na Estação do Rossio, para nele fazerem um centro comercial.

Nessa época quase não havia centros comerciais e não havia computadores de desenho, tudo era feito em grandes estiradores, em papel vegetal, com compassos, réguas, esquadros e transferidores. O meu trabalho consistia em desenhar os tabiques que iriam separar as lojas, isto é, as divisórias, tendo o cuidado de adequar o traçado ao espaço entre pilares e balaustradas já existentes. Peças manuelinas, concebidas pelo arquiteto José Luís Monteiro e executadas por homens, canteiros de profissão, no século XIX. Todos verdadeiros artistas.

Anos mais tarde, quando visitei o resultado do meu trabalho, fiquei desiludido. Corredores muito estreitos, lojas que eram cubículos, como sempre acontece quando se quer meter o Rossio na Rua da Betesga. Num espaço tão nobre, construíram umas lojas tão foleiras, e eu ajudei!

Comecei a fazer horas extras para que o trabalho não se atrasasse. Fazia o possível por conjugar os meus horários com os da Luísa. Ela saía das aulas quase sempre às onze da noite e ia encontrar-se comigo nessa mesma estação do Rossio. Eu saía um pouco mais cedo para dar tempo a comprar o jantar na Rua Primeiro de Dezembro, e lá íamos os dois no comboio para a Reboleira, a cheirar a frango com batatas fritas…

Certo dia, chegámos a casa cerca da meia-noite, numa sexta-feira, passámos em frente à caixa do correio sem repararmos sequer na sua existência. Pelo menos foi isso que ela certamente pensou. Porém, eu olhei de soslaio e pensei que era melhor vir buscar o correio mais tarde. Não se desse o caso de lá ter sido posta mais uma carta extraviada.

Tenho a confessar que a Luísa foi o grande amor da minha vida. Não tenho pejo em afirmá-lo, até porque todas as namoradas que tive na minha vida, bem contadas, esgotam o número de dedos de uma mão. Ela foi a primeira, tínhamos 16 anos, e frequentávamos o mesmo liceu, na mesma turma. Fomos ambos virgens para o casamento, isto é, para o ajuntamento, porque casados ainda não eramos na data desta narrativa. Foi talvez isso que complicou a nossa relação / satisfação sexual. Porém confirmou-se, no meu caso, que não há amor como o primeiro.

Nessa época ela era muito alegre e comunicativa, ria-se por tudo e por nada, e quando se zangava nunca guardava rancor, não amuava, e não era vingativa. Tínhamos uma vida aprazível, se bem que muito apertada de finanças. O meu ordenado era para pagar a renda da casa, o dela era para pagar os transportes, comida, roupa. Ainda não tínhamos filhos.

Vou lá abaixo buscar o correio, disse-lhe. Menti quando regressei; só lá estava esta carta para pagarmos a água. Pus a carta encima da mesa da cozinha e fui direito à casa-de-banho, com a outra carta no bolso de trás das calças. Tinha que disfarçar a agitação que esta outra carta tinha lançado no meu comportamento… Fechei a porta à chave e observei com cuidado o envelope. Osório Vicente Av. Almirante Reis 234 Lisboa (ainda não havia Código Postal). No verso estava escrito a lápis sab17h. É amanhã às 5 da tarde. Respirei fundo e regressei à cozinha.

A agitação que este hipotético encontro provocava em mim, só de o pensar, transformou-se em enigma. Não era certamente a satisfação da curiosidade de saber o significado do ruido à meia-noite, que me punha em alvoroço. Também não era, juro, o vislumbre de um caso amoroso secreto com Manuela (mais tarde vim a saber que Maitê se chamava Manuela). O amor que sentia por Luísa fazia-me excluir à partida a possibilidade de me interessar por outra mulher. Então o que seria?

Encima da mesa da cozinha fui encontrar um belo frango assado, que me tinha sido vendido embrulhado num retângulo de papel vegetal que por sua vez foi embrulhado num bocado de papel pardo. Este último já tinha desaparecido de cima da mesa. O frango desafiava o meu apetite encima de um prato, sobre o papel vegetal. Quem havia de dizer que este papel servia tão bem a uma churrascaria quanto a um atelier de arquiteto, pensei.

Devorei o jantar, acompanhado por uma garrafa de litro de cerveja, daquelas garrafas que exigiam depósito de fiança. No fim do mês de salário, sabia bem ir devolver todas as garrafas e receber o valor dos depósitos. Era um dinheirinho que dava muito jeito.

Luísa contou que a professora da última hora tinha faltado à aula, e ela, Luísa, aproveitou para fazer uma marcha, indo a pé desde a Av. das Forças Armadas até ao Rossio. Senti-me mesmo bem! Exclamou. Quando uma pessoa está chateada não há como dar um grande passeio a pé. E estás chateada com o quê? Perguntei. Agora já não estou, já passou com o passeio. Mas houve algum problema, insisti. Já passou, respondeu. E continuou; amanhã é sábado, estou a pensar convidar a Sílvia e o marido para irmos passear a Sintra, lanchar um travesseiro com recheio de ovo e amêndoa. Eu não posso, respondi; o filho do arquiteto tinha um bilhete a mais para ir à bola. Deu-mo. Mas tu não costumas ir à bola, exclamou ela. Pois, mas se for de borla vou em qualquer excursão, nem que seja à Boca do Inferno, respondi a rir. E prossegui; eu vou à bola e tu podes ir aonde quiseres, não precisamos de andar sempre juntos como duas manas catatuas.

É assim. Na hora da verdade, quando quero, encontro sempre a desculpa adequada para me furtar às minhas obrigações. É um dom que desconhecia em mim. Só tive consciência dele quando comecei a viver com Luísa. Bem vistas as coisas, trata-se de produzir uma mentira bondosa. Se lhe tivesse dito a verdade ela ficava ansiosa a pensar no que poderia acontecer entre mim e Maitê. E não podia acontecer rigorosamente nada, mesmo que a Maitê fosse a mulher mais sexy do mundo. Pensava eu…

O café do Sr. Osório estava cheio e barulhento. Na televisão percebia-se que iam transmitir o Benfica contra um clube estrangeiro, para o campeonato da Europa. Dirigi-me ao balcão e pedi uma bica cheia, Sr. Osório, atrevi-me dizer. Ele fez-me um sorriso aberto, como se me conhecesse há muito tempo, e gritou; sai uma bica cheia para este senhor. Sim, senhor Osório, responderam do fim do balcão.

Já com a chávena na mão, senti uma pequena pressão no ombro direito. Sou eu, a Manuela. Também quero uma bica, disse. Não dá para nos sentarmos. Não faz mal, disse ela, vamos dar um passeio a pé. E lá fomos descendo em direção à Alameda.

Vou ser rápida. Eu sou a Manuela, o meu namorado é o António. Ribatejano, gosta de toiros e é fã do Benfica. As duas coisas que ele mais gosta é do Benfica e das suas botas de meio cano, decoradas a três cores, cozidas à mão. Vai para todo o lado com elas. Passa horas a engraxá-las ou a avivar as cores das aplicações laterais em couro. Trabalha no restaurante de um velho amigo do pai, o Festa Brava. Só trabalha a meio tempo, servindo à mesa, ao almoço. Por isso tem muito tempo para me dedicar. Dedicação que já me está a fartar, porque não me deixa trabalhar, e faz fitas sempre que saio sozinha ou com amigas. É ciumento, como já te contei. Além disso faz um biscate para o Jornal A Bola que consiste em redigir um comentário conciso de tudo o que aconteceu no Estádio da Luz, nos dias em que o Benfica joga lá. Tem bilhete à borla, e vai para o estádio uma hora antes do início do jogo. Quando sai do jogo vai para os copos com os amigos. Mais para tirar nabos da púcara, do que por prazer de conviver com eles. Chega a casa à meia-noite, executando de imediato o seu fetiche preferido, que consiste em descalçar as botas, sentado na nossa cama. Quando descalça a segunda bota, eleva-a a uns cinquenta centímetros do chão e deixa-a cair na vertical. Se a bota ficar direita é porque está tudo bem. Porém, se a bota tombar, é porque está algo errado, diz ele. Então, pega no par das botas e vai para a sala observá-las com toda a atenção, tentando encontrar o motivo que esteve na origem de a bota ter tombado. Ou é uma pastilha elástica agarrada à sola, ou um tacão descambado. Umas botas tão equilibradas não podem tombar de forma alguma! Afirma ele sempre que isso acontece.

O barulho de que te queixas é provocado pelo tacão a bater no chão do quarto. É um vício que ele tem. Conheço-o vai para três anos, e foi sempre assim. Vem do Estádio da Luz à meia-noite e descalça as botas sentado na cama. Depois deixa cair uma delas e fica todo contente se a bota não tomba. E já agora, como te chamas? Manuel, retorqui seco.

Tínhamos chegado à relva da Alameda e estávamos sentados no chão a ver os carros passar.

No princípio, pensei que aquilo era um exorcismo para exorcizar as derrotas do Benfica, mas depois percebi que não era nada dessa natureza. Amas mais as tuas botas do que me amas a mim, digo-lhe a miude. No princípio ele ria-se deste comentário, mas hoje, quando o ouve, fica triste e silencioso durante muito tempo, como se tivesse pena si próprio. Tenho que te confessar que estou farta da vida que levo com ele.

Esta última frase teve o condão de me acordar do torpor em que aquela história mal contada me tinha lançado. Olhei para ela com olhos de ver. Fiquei atónito como não tinha reparado desde o princípio na sua mini-saia (usava-se nesse ano) que deixava ver quase totalmente duas esplendidas pernas de mulher, a blusa de algodão fino, bordado, trazia-a sobre a pele, com quatro botões desabotoados, sem sutiã, deixando adivinhar dois mamilos firmes, cor de rosa. Tinha os cabelos desalinhados a preceito, e as sabrinas que calçava deixavam perceber um pé bonito e flexível.

Esta mulher veio aqui para me seduzir, pensei. E eu sou tão parvo que nem dei por isso!

Portanto, eu e minha mulher, estamos condenados a acordar à meia-noite, sobressaltados, todos os dias em que o Benfica jogar na Luz! Não está mal pensado, para começar.

Os seus lindos olhos verdes olharam-me de frente e marejaram-se de lágrimas. Tive pena dela.

Porque vives com esse gajo. Deixa-o antes que seja tarde, disse-lhe.

Ele bate-me. Não sei para onde ir. Quando me magoa muito, venho para a casa do Sr. Osório, que foi amigo do meu pai em Angola, na guerra. Ele deixa-me dormir lá em casa, no primeiro andar, uma ou duas noites. Depois manda-me embora. Tem pena de mim. Sem conhecer o António, sabe que ele não me deixa trabalhar, por ciúmes. Sabe que estou num beco sem saída.

Olha Manuela, não te vou dizer que tenho pena de ti, porque considero a pena um sentimento egoísta. Quando se encontra alguém em dificuldades não se deve ter pena, deve pergunta-se; em que posso ajudar-te? É isso que te pergunto; em que posso ser-te útil, na tua adversidade?

Não sei, respondeu. Ou antes, sei! Peço-te que não voltes a subir ao meu apartamento como subiste naquele dia. Perdoa-me os barulhos e esquece que eu existo. É porque vai haver barulhos futuros, pensei.

Enquanto dizia isto, ela apertava os lábios num misto de desespero e raiva.

Nem eu nem ela esboçamos um gesto de aproximação física. Uma festa, ou outro gesto de carinho. Se o pensámos, ficou o tinteiro. Levantámo-nos, e foi cada um para seu lado.

Eram seis e meia da tarde, a noite aproximava-se naquele outono seco e luminoso. Aconselhado pela memória do dia anterior, segui os conselhos de Luísa; andar é o melhor remédio para a neura. Fui a pé para o Rossio.

Arranjei lugar sentado no comboio. Apoiei-me na janela e fechei os olhos, revendo os acontecimentos daquela estranha tarde. Vou ter que arranjar maneira de convencer a Luísa a perdoar os ruídos da meia-noite. Ou então compro o jornal A Bola todas as semanas para saber quando o Benfica joga na Luz e nessas noites convido-a para a uma ida ao cinema, pensei.

Cheguei a casa às 8 horas. Ela já estava, e perguntou de rajada; então o Benfica, lá ganhou outra vez. Fiquei sem pinga de sangue. Como sabia ela que o bilhete à borla era para ver o Benfica? Ela percebeu a interrogação no meu olhar e respondeu; filho de peixe sabe nadar, um pai arquiteto benfiquista só pode ter um filho benfiquista.

Há coisas que parecem bruxedo. Inventei uma desculpa relacionada com futebol que não podia estar mais relacionada com o que fiz durante toda a tarde. E não fui ver o Benfica… soube do resultado pelas conversas que ouvi no comboio.

Na terça feira seguinte, quando desci do autocarro no Marquês de Pombal, separei-me de Luísa e fui comprar o jornal A Bola, que saía à terça com todas as novidades do fim-de-semana. Cheguei ao escritório um quarto de hora antes das nove. Tive tempo para procurar todos os artigos que descrevessem o que se passou no Estádio da Luz. Muitos artigos identificavam o autor e tinham uma foto da cara dele em miniatura, dentro de uma pequena moldura circular. Cá está ele! Pensei quando vi a cara de António. Com que então tens o pseudónimo de António Luz! Não está mal pensado para um benfiquista ferrenho. Não li o artigo. Deixei o jornal encima de um estirador. Decidi que não o levaria para casa. Já sabia tudo o que queria, isto é, sabia também que o Benfica jogaria na Luz no próximo domingo.

Foi então que fiz uma maldade à minha mulher. Fui à mala dela buscar o porta chaves, retirei a chavezinha do correio, atirei-a para o fundo da mala e coloquei tudo como tinha encontrado. O fundo de uma mala de senhora é como o fundo de um poço. Quando se esvazia o poço, encontram-se coisas que muito procuramos e não encontrámos. A partir desse dia fiquei mais descansado quanto à possibilidade de ela ir ao correio antes de mim.

No sábado seguinte, mesmo sabendo que não havia distribuição de correio, abri a caixa e espreitei. Para meu espanto estava lá uma carta da EDP igual às outras, com a diferença que desta vez o sobescrito estava aberto, como se alguém tivesse descolado a cola, e, ainda por cima, tinha lá dentro um bilhete de ingresso no jogo de domingo, no Estádio da Luz. No verso do subscrito estava, a lápis, D15H. Este código já eu sabia o que significava. Mas fiquei baralhado, pensando que tanto podia marcar um encontro no Estádio como um encontro no café da Almirante Reis. Tive que mentir outra vez à Luísa! Disse-lhe que um desenhador do atelier me tinha dado o bilhete, porque a mulher ia ter bebé no domingo.

Luísa só respondeu; andas a ir muitas vezes ao futebol. Nem por isso, a última vez foi há um mês atrás, respondi.

O sexto sentido das mulheres é assustador! Leiam só a próxima.

No domingo declarei lá em casa que era eu quem fazia o almoço, e seria o almoço preferido de Luísa; arroz à valenciana. Declarei ainda que se tratava de um prato lógico para fazer ao domingo, devido ao trabalho que dá quando se pretende que fique bem feito. Resposta dela; com papas e bolos se enganam os tolos.

Não tinha engolido a peta do bilhete para o Benfica… já não havia nada a fazer. Em frente é o caminho, seja o que deus quiser. Não estou a fazer nada de mal, disse para mim próprio, sem grande convicção.

Depois do almoço lavei a loiça sequei-a a arrumei nos armários. Varri a cozinha e fui deitar o lixo no contentor. Luísa não fez comentários. Era óbvio que me sentia culpado. Culpado de fazer algo que não podia ser considerado errado, pensei. Ou talvez não!

De repente senti que estava a dirigir-me para um precipício. Meti travões a fundo.

Luísa, não queres vir a Sintra? Lanchamos um travesseiro, com doce de ovos e amêndoa. Só nós dois. Nem precisamos de ir de carro com a Silvia, vamos de comboio, e lá vamos a pé para todo o lado. Andar a pé é bom para espantar fantasmas.

(continua)

Poucos portugueses

Mesmo que o INE não tivesse posto em evidência a diminuição da população residente, as pessoas atentas desconfiavam de que algo de mal está a acontecer na demografia cá do burgo.

Basta assistir às entrevistas dos “nossos” atletas nas olimpíades de Tóquio para percebermos que eles (os nossos representantes além fronteiras) não são portugueses de gema, na sua maioria. Falam mal português, e não nasceram no solo pátrio do país que estão a representar. Há exceções, é certo.

Pedro Pichardo, triplo salto, Cuba;

Ariol Dongmo, lançamento do peso, Camarões;

Nelson Évora, salto em comprimento, Cabo-Verde;

Jorge Fonseca, judo, São Tomé;

Patrícia Mamona, triplo salto, Angola.

MASCARA OU NÃO.

As pessoas que, na indústria, lidam com filtros, sabem usar máscaraque qualquer filtro simples (só com uma malha filtrante) consegue reter as partículas indesejáveis em 90%. Porém, quando o fluido tem duas barreiras, filtro duplo, essa percentagem passa cerca de 95% das partículas retidas.

Isto significa que, se dentro de uma casa houver uma concentração de partículas portadores do vírus de 100 partículas por unidade de volume de uma inspiração humana, um indivíduo que lá esteja sem máscara capta para o interior do seu nariz e boca 100 partículas em cada inspiração.

Outro indivíduo que esteja no mesmo local com máscara, só capta para o interior das suas vias respiratórias 10 ou 5 partículas em cada inspiração.

Isto é verdade quando se pretende filtrar poeiras no ar, impurezas na água, partículas em suspensão no óleo dos motores.

Se for válido para partículas Covid19 em suspensão no ar (parece evidente que seja), isso significa que quem usa máscara, está 10 a 20 vezes mais protegido de contrair a doença do que quem não a usa.

Também se deduz que usar máscara não protege 100% quem a usa. Pode apanhar a doença mesmo sendo muito cuidadoso cuidadoso.

Na Suécia, não aconselham o uso de máscara, porque dizem que esse ato induz nas pessoas uma sensação falsa de imunidade. Porque não explicam ao povo que é melhor 5% do que 100%?

COVID E DEMOCRACIA…

Uma coisa é atingir a imunidade de grupo com a curva de infeções pouco inclinada, outra é com uma curva muito inclinada ou até exponencial. Mal comparado, é conseguir descarregar uma barragem cheia, abrindo os descarregadores ao máximo ou descarregá-la dinamitando o muro. Os estragos esperados em um e no outro casos são muito diferentes.

A capacidade de propagação do Covid19 tem muito mais a ver com o nível de mobilidade do ser humano atual do que com alguma característica especial deste vírus. Pelo menos é o que parece se compararmos o volume de transportes aéreos (nº de voos x nº passageiros) de hoje e de há 30 anos atrás, o volume de transportes terrestres em autoestrada, viagens em cruzeiros, etc.

Está a ser, de facto, uma boa oportunidade de testar a resiliência das populações dos países democráticos anglo saxónicos a medidas anti democráticas tomadas pelos governos com a “desculpa” de controlo da epidemia.

Isso até pode ser bom, numa época em que os ventos sopram contra as referidas democracias. As pessoas já se aperceberam que a “Deusa Democracia anglo saxónica” não foi mais que um estratagema dos países que ganharam a guerra do século XX, para se apoderarem das riquezas dos países pouco desenvolvidas tecnologicamente. Esses países foram desapossados das suas riquezas, por compra, de uma forma legal. Porém o impacto social de aumento de pobreza a que essas compras conduziram provocam hoje o descontentamento geral das pessoas. Sem que elas saibam bem porquê, elas querem mudar.

Por isso o advento do Corona vírus pode facilitar a transiçõ de democracias anglo saxónicas para democracias musculadas…

Esperam-nos “Democracias do tipo chinês ou russo”. Atrás de tempos, tempos vêm..

CONFINAMENTO II

Se o vírus fosse deixado à solta a economia ainda sofria mais.

Em Portugal, mais de 15% dos trabalhadores ativos empregados sofrem de uma doença crónica. Vão todos os dias trabalhar, mas não se podem esquecer de tomar os remédios; para a asma, para os diabetes, para a tensão arterial, para a gota, para a angina de peito, etc.

Esses doentes crónicos têm todo o tipo de níveis de qualificações nas empresas, cozinheiro a chefe de mesa, capataz a contramestre, passando por eletricista, canalizador, técnico de AVAC, gerentes, membros do conselho de administração, e de uma maneira geral pessoas cuja a assinatura é necessária para pagar contas das empresas, etc.

Com o Covid19 à solta, (cinemas, restaurantes, bares, estádios cheios) em menos de um mês, milhões de pessoas ficavam infetadas, os hospitais deixavam de poder acudir à maioria delas, os doentes crónicos começavam a faltar ao emprego e muitos batiam a bota…

Será que um cinema pode estar aberto ao público se o operador da máquina de projetar estiver doente? A obra da vivenda que está na fase de montar os fios elétricos pode prosseguir se o eletricista estiver doente? A fábrica de acessórios de plástico para automóveis continua a produzir se o técnico de reparação de moldes estiver no hospital?

DE COSTAS VOLTADAS

Num passado recente, um país da NATO atacou instalações petrolíferas de outro país da NATO. Foi durante a guerra da Síria. Coisa nunca antes vista. O agressor foi a Turquia, o alvo atingido foram instalações petrolíferas da TOTAL, petrolífera francesa.

Desde então os incidentes sucedem-se:

A França questionou:

  • a legitimidade da pesquisa de gás natural que a Turquia está fazendo no Mediterrâneo Oriental, junto à fronteira da UE.
  • a legitimidade da intervenção armada da Turquia no Líbano.
  • o envio pela Turquia de mercenários da guerra da Síria para Nagorno-Karabakh, em apoio às pretensões do Azerbaijão, contra a Arménia (país de maioria cristã).
  • o silêncio da Turquia quanto ao assassinato em França de um professor, Samuel Paty, por um jovem muçulmano, com requintes de malvadez. Nem sequer um voto de pesar foi recebido no Eliseu.
  • a forma como Erdogan se referiu em público ao presidente francês. Chamou-o de maluco, mando-o ir ao médico…

Desde que o Reino Unido saiu da União Europeia que a França parece querer ocupar o seu lugar no que diz respeito ao poder das armas. No dia seguinte à explosão de grandes dimensões que ocorreu no porto do Beirute. Macron apresentou-se no local, que visitou com altos funcionários franceses e membros do governo libanês. Na forma como falou para as televisões parecia “o dono daquilo tudo”.

Desde que faliram as iniciativas de ocidentalização que ficaram conhecidas por Primaveras Árabes, Recep Tayyip Erdoğan, Presidente da República da Turquia, vende para consumo interno o sonho de restaurar o Império Otomano, com o esplendor de outrora. Isto é:”Islam First”.

São muitos os interesses que França tem para defender; Síria, Líbano, Mali, etc, tudo assuntos a tratar com uma ameaça de fundo comum; o poder islâmico.

https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1612491/declaracoes-de-erdogan-sobre-macron-sao-inaceitaveis-considera-borrell

DECAPITADO !!!

decapitadoNa França vivem 7 milhões de muçulmanos (mais de 10% da população total). Há seis universidades que ministram cursos de teologia islâmica. São queimados na via pública mais de 80 automóveis por dia, na maioria  dos casos incendiados por intolerância religiosa de extremistas islâmicos.  Só no ano de 2015 mais de  40 imãs (sacerdotes que pregam nas mesquitas) foram deportados por fazerem propaganda a favor do terrorismo islâmico em mesquitas francesas. Pelo menos dois cidadãos franceses foram decapitados em atos de terrorismo por intolerância religiosa, praticada por muçulmanos radicais. Um jornal humorista foi atacado à bala por divulgar imagens satíricas de Maomé, tendo sido assassinadas 14 pessoas e 7 ficaram em estado grave.

É num contexto destes que um professor de História, Samuel Paty, que lecionava num liceu dos arredores de Paris, resolveu exibir nas aulas imagens satíricas de Maomé, como forma de mostrar como se defende a liberdade de expressão em França.

Alguns dos seus alunos eram muçulmanos (talvez 10%).

A fera foi provocada! e o resultado foi dramático, o professor foi assassinado e decapitado por um jovem muçulmano extremista com 18 anos de idade…

Não havia necessidade…

Continue a ler DECAPITADO !!!

A REACÇÃO CONTRATACA !

Copiado do Blesfémias.org

Desta vez criticam as recentes medidas do executivo que impõem, entre outras coisas, o uso de máscara na rua.

Metáfora imperfeita;
Não se vê nenhum borrego com capacete de mota, nenhum com cinto de segurança de automóvel, nenhum com colete de salvação ou boia, para representarem os borregos que têm respetivamente motocicleta, automóvel, barco.


São três obrigações impostas por lei, que não deveriam existir se fossemos um país livre…

Isto sem falar na carneirada que anda nas obras com capacetes brancos que não servem para nada e com botas de biqueira de aço tão incómodas de usar…

A utilização de EPIs devia ser abolida, ficado a sua utilização ao critério de cada um. Porém, se um dia isso vier a acontecer, o SMS deve recusar tratar as pessoas que não se protegem, e deve mandá-los para os hospitais privados. Aqueles que representam menos Estado na saúde…